quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

A mudança: O fim de uma Era


Este é parte do filme do encontro dos 120 anos de morte de Caetano de Campos, em setembro de 2011, onde Modesto Carvalhosa discursa sobre a Escola e como quase esta foi demolida


Em 1968- Antes da Reforma de Ensino de 1971, o Instituto Caetano de Campos era uma Autarquia, passou então a ser subordinado à Secretaria da Educação, perdendo as verbas até chegar ao estado de precariedade.Em 1974, quando nossa turma estava na quarta série do primário, fomos chamados à uma solenidade no auditório da escola. Iríamos conhecer o presidente do Metrô, acompanhado de alguns engenheiros da Companhia.
Naquela época, cogitava-se a construção da Estação República, com a construção de um novo centro comercial e com a idéia de uma nova revitalização do centro, já decadente.
 A grandiosa Estação República , seria construída ao lado da nossa escola, na Praça O presidente do metrô Plínio Assmann e seus assistentes da época explicavam a importância de se ter um transporte como o metrô e seus benefícios para a cidade

No ano de 75, com a censura de imprensa, pouco podia se falar sobre política ou qualquer coisa que pudesse causar o fechamento das empresas ligadas à comunicação e ao longo daquele ano só se falava em 3 assuntos diariamente nos jornais: poluição, meningite e Metrô.Neste ano, assumiram os cargos de governador e prefeito de São Paulo, Paulo Egydio Martins e Olavo Setúbal, este sendo indicado pelo primeiro, pois naquela época não havia eleições diretas para o cargo de prefeito.Paulo Egydio também indicou José Bonifácio Coutinho Nogueira para a Secretaria da Educação e José Mindlin para Cultura, Ciência e tecnologia, entre outros secretários. 
Plinio Assmann foi reeleito presidente do Metrô.
A localização da Estação República ainda estava indefinida. O metrô tinha 3 opções para a construção da mesma: a primeira, depois descartada, seria a derrubada da parte central da Praça; numa época em que toda a opinião pública estava mobilizada na questão da poluição e preservação de áreas verdes, seria um total desastre.
  O advogado Modesto Carvalhosa , fez a seguinte declaração, na Folha de São Paulo no dia 19/02/79, à respeito da Construção da Estação República em pleno centro da Praça:
“Em 1973, o Metrô, como símbolo ditatorial do milagre brasileiro queria destruir a própria Praça da República, derrubando suas árvores para construir uma das maiores estações do mundo.Contra essa intensão se levantaram em campanha a “Folha de São Paulo”e o vereador João Brasil Vita, que era presidente da Câmara Municipal-Explicou que refletindo a revolta absoluta da população, ambos acabaram bloqueando a iniciativa.
 Dois anos depois, em 1975, Plinio Assmann sabia que não poderia contar com aquela opção.As duas outras 2 opções eram a parte entre a Praça e a escola, que pelo mesmo motivo de preservação da Praça  era descartada e a Terceira: uma estação sob a escola. O problema era que a estação deveria ter a grandiosidade desejada pelo Metrô e Governo, não apenas saídas em pontos isolados em volta da Praça .
Mas uma notícia veiculada pela Folha de São Paulo do dia 15 de abril de 1975 sob o título: Plano de emergência: primeiro as reformas “ ,que se iniciou todo o processo da mudança da Escola:
Em primeiro lugar , o secretário descreve como seria o novo programa de Redistribuição da Rede Física- Plano Estadual de Implantação da Reforma de Ensino: Todo aluno deveria estudar em escolas perto de sua residência, em Segundo lugar: todas as escolas deveriam estar niveladas quanto ao ensino, ou seja, nada de escolas de ensino superior às outras. O secretário considerava certas escolas como o Caetano de Campos  “elitizadas “, com clientela “privilegiada “e  “prestigiosa”.
O Caetano de Campos , que estava no patamar de Escola Modelo seria nivelado às demais escolas da Rede Estadual de Ensino: naquele dia estava decretado o fim da qualidade de ensino público no Estado de São Paulo, e no Brasil.
Em seguida veio a declaração bombástica: o secretário declarou que iria transferir a escola para um novo prédio com instalações modernas e adequadas na Rua Pires da Motta, no terreno onde funcionava a Faculdade de Medicina Veterinária da USP, pois transformaria o prédio da escola na Secretaria da Educação.
No dia 5 de outubro , em matéria publicada pela Folha de São Paulo, o sr José Bonifácio publica oficialmente a nova política de reunificação das Escolas da Rede Pública.Devido à esse programa , uma novidade: o Secretário cedeu o prédio da escola para a prefeitura em troca de 70 novos terrenos em pontos diversos da cidade para a construção de novas escolas, desistindo assim de transformar o prédio da escola em secretaria da Educação. O prédio deveria abrigar, então a estação do metrô.
No dia 7 de outubro em meio à protestos quanto à localização da estação do metrô e receio de uma possível intervenção e descaracterização do prédio, até mesmo uma possível demolição de suas instalações, um grupo de ex-alunos liderados por Luis Celso Piratininga reune documentos como a de consultoria do engenheiro e especialista em fundações e mecânica dos solos Sigmundo Golombek, encarregado das sondagens e projeto das fundações da obra, para dar a possível solução para localização da estação a ser construída.  Este deu , então 3 opções:

a)   o centro da Praça
b)   o calçadão diante da escola
c)   o pátio da escola

Deram também a sugestão de mais 3 locais no entorno: no Cine República, um terreno de estacionamento na esquina da Marques de Itú  ou no triângulo onde se encontravam as Ruas Araújo, Major Sertório e Av. Ipiranga.
Dia 9/10, matéria: Caetano: ex-alunos irão à Geisel, fala sobre a reunião às 18:30 daquele dia na Associação Paulista de propaganda com ex-alunos, alunos, professores e ex-professores e do manifesto que o Dr. Modesto Carvalhosa estava preparando para ser enviado ao Presidente Geisel, além de uma ação popular que já contava com centenas de assinaturas e que deveria entrar na justiça.
Lembro-me perfeitamente de ter sido convocada, juntamente com meus colegas, dias depois daquele encontro, a participar de um abaixo assinado na entrada principal do prédio da escola, eu estava então, na quinta série.
 A última aula foi suspensa e todas as turmas reuniram-se nas escadarias em frente à porta principal, onde aqueles ex-alunos mais velhos contáva-nos dos preocupantes acontecimentos e a necessidade de nos unirmos para evitar a destruição de nossa casa.
A Folha de São Paulo divulgava diariamente todo o desenrolar dos acontecimentos.Cinco mil alunos e ex-alunos assinaram o abaixo-assinado, que seria levado para o Presidente da República.
 No mesmo dia, foi proposto à Assembléia Legislativa em 2 projetos de lei apresentados pelos deputados Osiro Siveira (MDB) e Vadi Helu (Arena), o primeiro propondo a continuidade do Caetano como escola e o Segundo propondo o tombamento do prédio como Patrimônio Histórico.
Dia 12/10 – comentário sobre o celeuma criado pelo assunto e comentando sobre um projeto de Lei na Câmara Federal em Brasília, propondo o tombamento do prédio.
Esse projeto foi proposto pelo deputado Ruy Codo, pai de alunos na escola.
O prefeito Olavo Setúbal, ex-Caetanista, tinha suas dúvidas sobre a demolição do prédio. Mas , devido aos custos apresentado pelo Metrô em relação ao reforço das fundações da Escola, ficou sem saída.
Ernest Mange, engenheiro que trabalhava com Olavo Setúbal foi totalmente contra a demolição do prédio e numa das reuniões protestou e saiu indignado com o caminho adotado pela Prefeitura, pelo Governador e pelo presidente do Metrô. Abaixo um texto descrito pelo Dr. Modesto Carvalhosa, um dos responsáveis pelo salvamento de nossa escola, que entrou com uma ação popular contra a demolição:
 “Rapidamente, toda a sociedade civil foi-se mobilizando contra o crime cultural anunciado. E no esforço de encontrar uma saída judicial possível em período que quase não havia maneira de se opor ao poder discricionário, o Assessor Jurídico da Assembléia Legislativa, Sérgio Borgest, trouxe o subsídio daquele valioso patrimônio cultural: não poderia o Estado entregar o terreno do Caetano de Campos ao Metrô, sem que a Assembléia Legislativa ( com a maioria do MDB) aprovasse a venda ou permuta, através de lei própria.Alertado para o impedimento illegal, o Secretário da Educação, o maior entusiasta da demolição, pôs-se a campo para encontrar terrenos da prefeitura que pudessem ser “permutados “ pelo da Escola da Praça.
Em novembro de 1975 a associação dos ex-alunos, com fundamento na falta de autorização legislativa, entrou, na pessoa de alguns de seus membros fundadores, com uma ação popular no foro de São Paulo, junto à 5* Vara da Fazenda Estadual, solicitando a liminar da demolição por ausência da citada autorização legislativa. Subscreveram a ação: Plinio Tadeu Malheiros, Eusilles Pastore, Bernardo Lorena, Antonio Caetano de Campos Neto, Modesto Carvalhosa e Celso de Almeida Roberti.
Nesse interim, o Secretário da Educação do Estado entrou com um pedido de permuta e autorização junto à Assembléia legislativa, o qual foi rejeitado.”
 O Secretário da Educação entrou com um pedido de anulação do projeto proposto.Em 20 de Novembro de 1975, foi aprovado o Projeto de lei n* 5.091, dispondo sobre o tombamento, como monumento histórico do Estado de São Paulo, do edifício do Instituto de Educação Caetano de Campos, do projeto proposto pelo Deputado Ruy Codo.
No mesmo dia, a Assembléia aprova o projeto de tombamento proposto por Osiro Silveira.
  José Mindlin, Secretário da Cultura via a situação como um vespeiro que envolvia problemas técnicos, econômicos e politicos. Achou que o tombamento era Inconstitucional, já que somente o Condephat poderia tombar o prédio do Caetano de Campos.

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  Em 1975 ao assumir sua gestão no governo do Estado, Paulo Egidio Martins criou a Secretaria da Cultura, Ciência e tecnologia, à qual foi integrado o Condephat.
 O Condephat, da época era um orgão ainda se solidificando, além de não possuir a força e poder que naturalmente adquiriu com o passar dos anos, naquela época estava   intimamente ligada ao governador. Por esse motivo as pessoas mobilizadas em tentar tombar o edifício do Instituto Caetano de Campos procuraram no primeiro momento outros meios de tornar o tombamento viável.
Aventou-se construir a estação demolindo-se o edifício Ester, ao lado da Praça e desapropriar inúmeros imóveis na rua 7 de abril, pois a demolição do prédio do Caetano não iria acontecer.  O edifício Ester, marco na arquitetura paulistana ( projeto de  Vital Brazil e Adhemar Marinho) pertencia à família do Secretário da Educação construido para abrigar a sede dos escritórios da Usina Ester.Assim que soube desta possibilidade, o Secretário da Educação logo entrou com o pedido de tombamento do Edifício Ester .
No dia 22/11 em material de destaque na primeira página da Folha de São Paulo aparece a seguinte notícia: Exige-se o sequestro do ”Caetano”, O Caetano será sequestrado judicialmente, tão logo o Governador Paulo Egydio sancione ou promulgue a lei de seu tombamento.
O que se pedia era que fosse nomeado um fiel depositário, um responsável pelo prédio, que ficaria responsável a zelar por  ele. No caso o nomeado seria o cargo de Secretário da Educação, mesmo que se mudassem os secretários durante os processos que são longos, a pessoa que ocupasse o cargo seria responsável.
O outro projeto que também pedia o tombamento do prédio, de autoria do dep. Wadih Helou, foi arquivado já que era o mesmo que havia sido votado e que era de autoria do dep. Osiro, que foi por unanimidade votado à favor do tombamento pelos membros da Assembléia Legislativa.
Um documento deveria ser feito então e encaminhado para o gov. Paulo Egydio, que deveria sancionar a Lei de Tombamento. Caso o governador fosse desfavorável ao tombamento, os deputados poderiam votar não concordando com a posição do governador.
Logo após que soube da votação favorável dos deputados da Assembléia, Osiro Silveira inscreveu o tombamento no Condephaat.
 28/05/76-Setúbal tentará poupar o Caetano- O prefeito anuncia que determinou à Companhia do Metrô que estudasse a alternativa de construir a estação entre e Escola e a Praça e que construa 5 acessos ao longo da Praça.
Plínio Assmann, após uma reunião no dia 27/05 com o prefeito diz que este adotou a medida com o objetivo de proteger o Patrimônio Histórico e cultural da cidade, representado pelo Instituto Caetano de Campos.
O prefeito eliminou definitivamente a derrubada tanto da escola como do Edifício Ester.
A fim de que o prédio da escola não fosse afetado, seria aberto uma vala, na frente da escadaria principal, com paredes de diafragma para escorar a terra em volta. As paredes deveriam ter concreto de 1 m de espessura.

 Em abril de 1976, o Juiz da Vara do Forum João Mendes, consciente da gravidade política de uma eventual decisão judicial em plena ditadura que daria vitória popular contra determinacão governamental, aconselhou o Secretário da Educação que desistisse da demolição, prometendo arquivar a ação popular. A sugestão foi aceita.
  Este Juiz avisou , então o Governador Paulo Egídio da decisão. Diante da pressão popular e do vulto que a questão foi tomando proporções cada vez maiores,de dimensão nacional, dentro do próprio Palácio dos Bandeirantes, iniciava-se um movimento de rebeldia contra a demolição do prédio. D. Julia Martins, mãe do governador e ex-aluna do Caetano de Campos, junto ao Condephat estudava a possibilidade de tombar o prédio, pondo fim à crise.
3/06/76- Prédio do Caetano é tombado pelo Condephaat- anuncia Max Feffer, o novo secretário da Cultura Ciência e Tecnologia. O secretário diz que a função do prédio da escola caberá ser decidida pela Secretaria da Educação, ao qual o prédio pertence.
26/06- Educação quer mudar alunos do Caetano- o secretário José Bonifácio confirmou em depoimento perante o juiz da 5* vara da Fazenda Estadual, nos autos da ação popular movida pelos ex-alunos que a Secretaria pretende transferir os alunos do estabelecimento para 2 outros locais- afirmou que o prédio tombado não será tocado, e que as obras não interferirão nas aulas. Disse também que o prédio vai abrigar a Secretaria de Educação.A ação popular iniciada em 1975 foi encerrada em 1977 . Quem perdesse a causa teria que pagar as custas do processo e os honorários do advogado de defesa , Heli Lopes Meireles, os 6 ex-alunos que entraram com a ação não precisaram pagar.
Em 1976, nas nossas carteirinhas de presença já aparecia o nome Escola de 1* e 2*Graus, Caetano de Campos,ou seja, o Instituto já não existia mais.
Mudaram nossos uniformes, foram substituidos por aventais brancos colocados em cima de nossas roupas. Em 1977, percebemos, pela primeira vez nossas vidas as diferenças sociais.
 Conseguiram acabar com o nome, a identidade e a beleza da escola: até então não existia diferença de raças, credos e classes sociais, tudo isso mudara.
Em dezembro de 1977, o secretário da Educação do Estado, providenciou a remoção do Instituto Caetano de Campos do Edifício da Praça da República, cindiu-a, deslocando seus alunos e professores para dois edifícios, um novo na Aclimação e outro na antiga Escola Alemã na Praça Roosevelt. Para acabar de vez com a condição especial que a escola manteve por todo o tempo que esteve na Praça, nivelou-a às demais da Rede Estadual de ensino. Estava decretado assim o final de um dos maiores símbolos de qualidade de ensino público do país.
 A associação dos ex-alunos, dirigida então pela ex-diretora da escola D. Carolina Ribeiro, lutou até o fim, para que não houvesse a mudança da escola, mas nada poderia ser feito a respeito.
 Em fevereiro de 1978, as obras do metrô se iniciaram.
 Eu fui terminar a oitava série, no prédio da Aclimação, alguns colegas optaram pela Praça Roosevelt e outros simplesmente se transferiram para escolas particulares.
 A maioria dos professores pediu a aposentadoria, outros transferiram-se para outras escolas e muito poucos continuaram no Caetano. Minha oitava série foi um fiasco! Nada dos tais métodos pedagógicos de primeira qualidade prometidos foi cumprido. 
 Em 19 de fevereiro de 1979, ao inaugurar a nova sede da Secretaria da Educação, o Secretário José Bonifácio, em seu discurso, alinhando rapidamente suas realizações, criticou o manifesto dos ex-alunos contra a mudança da escola e avisou que estava falando com o coração. Elogiou o governador e criticou o “ modesto jurista “, que era contrário à mudança, referindo-se ao Dr. Modesto Carvalhosa, um de seus maiores adversários na luta contra  a demolição do prédio.
Modesto Carvalhosa declarou que “A ocupação do prédio vai ser um monumento da mordomia governamental” e que com os gastos feito para a reforma do prédio da nova secretaria daria para se construir cerca de 50 escolas.

Dia 22/02/79- Secretário refuta às críticas e responde que tem a consciência tranquila.

Pergunte à qualquer aluno ou ex-aluno da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, se lhe dessem um prédio novo, com todas as mais modernas instalações, se eles aceitariam mudar-se de lá.
Hoje,depois que tive este pensamento li incrédula o que
Raul Schinden, ex-aluno,ex-professor e ex-diretor declarou no dia 20/02/79 : “O Caetano de Campos está para a Praça da República assim  como a Faculdade de Direito está para o Largo de São Francisco.

O Caetano de Campos não era só um prédio, era uma parte da História que foi injustamente encerrada.

                                                         Patrícia Golombek

Este é um resumo de um dossiê de 28 páginas sobre o levantamento de matérias do Jornal "Folha de São Paulo" de 1975 à 1978, demorei para publicar porque esse assunto me dá uma raiva danada.


3 comentários:

  1. Menina, de novo um belo levantamento! Bj

    Roseli Mendonça

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  2. o seu trabalho ficou simplesmente maravilhoso.Parabéns.

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  3. Parabéns Patrícia. Excelente trabalho.

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