terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Odette de Barros Mott

Nascida no interior de São Paulo em Igarapava em 24/5/1913 estudou sempre na Escola Caetano de Campos tendo se formado na Escola Normal, foi professora, poetisa e escritora, em 1981 teve a marca de mais de um milhão de livros vendidos, entre eles traduções em outras línguas e vários em braile. Teve mais de 60 títulos de livros infantis publicados.

                                                        Odette, em 1953,aos 40 anos

 Ganhou vários prêmios literários, entre eles o Monteiro Lobato da Academia Brasileira de Letras, por “Justino, o Retirante”, considerado um marco no realismo na literatura infanto-juvenil brasileira.
 Ganhou também o prêmio Fundação Educacional do Distrito Federal, por “Marco e os Índios do Araguaia”.
Faleceu em 23/05/1998, aos 83 anos.


O texto abaixo refere-se ao período em que Odette iniciou seus estudos no curso primário da Escola em 1921, foi escrito em 1994.


Olhar de menina

Revejo meu passado Há precisamente 73 anos, fui matriculada na Escola-modelo Caetano de Campos.
      Muito querida, essa escola marcou profundamente minha personalidade. Queridas professoras tão dignas, tão eficientes. Colegas, amigas, com as quais trocava gestos carinhosos, sabedoria.
      Procuro dentro de mim juntar os pequeninos cacos de cerâmica para reconstruir um quadro muito estimado, representando anos de minha infância. Partido pelo tempo, mas intacto no coração, esse quadro persiste na memória.
      Minha primeira professora , moça ou velha? Somente sei com certeza que, participante, bondosa e dedicada à minha formação, ela abriu-me as portas do castelo encantado e despejou, em meu colo, as pedras maravilhosas da arca. Foi aquela que um dia , o mais azul, festivo, pleno de anseios , tomou minha mãozinha fria e assustada de oito anos nas suas, cálidas e confortadoras, ensinando-me a segurar o lápis, a respeitar as linhas do caderno de caligrafia e a traçar a letra “a” – uma xícara de chá, uma rodinha com pequena asa.
      A minha querida professora não era “tia”, pois havia muito respeito entre nós. Ela era a mestra que nos ensinava tantas coisas novas, que, se não a respeitássemos, duvidaríamos de tudo o que nos fora ensinado. Como crer que o mundo era uma bola igual a uma laranja, achatada nos dois polos? Mas  a gente se perguntava, trocando conhecimentos durante o recreio ,se a terra era parecida com uma laranja, onde ficava o cabinho que a segurava? Não dava mesmo para entender. Porém, era a nossa professora quem afirmava: a laranja gira solta no espaço, no céu azul ou cinza, sem cabo para segurá-la.
E a tabuada, então? 2 + 2 = 4. Por que não 3?
      Até agora, graças à professora do segundo ano, faço contas mentalmente, mais rápido que meus netos com suas maquininhas. Para que isso acontecesse, nossa inteligência era instigada pelas contas feitas mentalmente.
      E os tornos? Nunca mais os vi em nenhuma escola que frequentei , aquelas onde faço palestras. Talvez nem existam mais. Porém, quem cursou o segundo ano da Escola Modelo Caetano de Campos deve-se lembrar deles. Com os tornos (pauzinhos minúsculos que eram próprios para as nossas mãos pequeninas), fazíamos contas, letras ou lindas paisagens.


      "Tornos"- pequenos bastões de madeira- acervo da escola


      Essas minhas lembranças surgem desordenadas, não seguem a lei imposta pela literatura. São borboletas azuis, brancas ou escuras, voejantes, coloridas, e eu procuro prendê-las, mas são livres e impetuosas.
      Sinto-me, agora, envolvida pelo sentimento patriótico; Nosso amor pelo Brasil, nossa querida Pátria, era imenso. Grande, tão grande, que transbordava de nossos olhos em sentidas lágrimas de felicidade, de orgulho, quando cantávamos ou víamos a bandeira, a nossa bandeira, auriverde, tremular ao sopro da brisa leve.
      Ao entrarmos em classe, deixávamos nossos instrumentos escolares em cima das carteiras e cantávamos o Hino Nacional ou aquele dedicado à Bandeira.
      Em dias de comemorações cívicas, nós, alunos, reuníamo-nos no pátio do colégio com as professoras e a diretoria. Aí se processava a homenagem da data, começando sempre pelo hasteamento da bandeira. Esse acontecimento tinha um cerimonial emocionante para nossas almas infantis. Todos nós, alunos, vibrávamos ao cantar os hinos e ao ver a bandeira auriverde sendo erguida até o topo do mastro! Três alunas, que se haviam distinguido em estudos e comportamento, entravam no pátio, vindas do salão onde se guardava a bandeira. Uma carregava nos braços estendidos e as outras duas, lado a lado, seguravam as fitas verde-amarelas que se prendiam à bandeira. Ela era hasteada e então cantávamos cânticos patrióticos.
     Porém, antes de me embrenhar totalmente nas recordações da infância, como aluna da Escola Modelo Caetano de Campos, quero falar de sua estrutura material, o edifício.
      Em meus primeiros anos de estudante, a Escola era formada por um todo: Jardim de Infância, Primário, Complementar e Normal. Bem mais tarde é que se formaram novos cursos, como o de Pedagogia e o de Psicologia.
      O conjunto escolar ficava na Praça da República, cercado por grades baixas fixadas na mureta. Nela, nós alunas nos sentávamos, findas as aulas. Ficávamos ali, à espera de alguém de nossas famílias ou então de colegas de outras classes . Ali conversávamos. Havia muito o que falar. A Escola devia ter um visgo a segurar nossos pezinhos. Impedidas de partir, ficávamos ali presas pelos laços carinhosos que nos ligavam aos mestres e às colegas. Tínhamos sempre algo muito importante a conversar, ideias a trocar.
      O jardim circundante era todo florido: rosas de cores várias predominavam entre dálias e cravos. Depois de atravessar o jardim, entrávamos no saguão, por porta lateral, já que a principal, larga, bonita, era usada somente por visitantes e pelo corpo docente.
      Seguíamos barulhentas do saguão ao pátio, passarinhos livres que naquele momento só pensavamem chilrear. Esse pátio, sempre o tive na memória como grande, muito grande, até que…
      Um dia, já com certa idade, fui convidada para uma palestra. Fui conversar com alunos da Escola Caetano de Campos. Eram duas oitavas séries, que haviam lido alguns de meus livros. Com emoção transpus o jardim cheio de flores, de rosas! Devia ser primavera. Não existiam mais as grades presas na mureta. O jardim terminava na calçada. Mais tarde, elas voltaram bem mais altas. Talvez alguns alunos se sentassem lá, como fazíamos. Essas grades primeiras foram retiradas em nome da liberdade. Julgavam alguns senhores, orientadores talvez da Escola, que ela, a pequena grade, impunha certos limites aos alunos. Eu creio que elas davam ideia de proteção. A mim me parecia que transpondo o portão, além das grades, estaríamos desamparadas, envolvidas pelos transeuntes. Assim nos sentíamos; éramos parte da grande família dos alunos da Escola Modelo Caetano de Campos.
Já adulta, ao transpor a entrada para o encontro com os alunos leitores, julguei ter-me enganado. “Estou muito emocionada, pensei, o coração aos pulos. Esta não é a minha Escola. Enganei-me e entrei num outro prédio com jardim cheio de roseiras floridas. “ Aquele pátio, cercado por altas paredes, parecia-me pequeno, não era o pátio onde nos reuníamos antes das aulas e no recreio. Não, não podia ser. Era impossível que naquele pedacinho de terra, cimentado, tivéssemos aprendido ginástica. “Um, dois, braços para o alto, um, dois, um dois…” E também ali pensei: será que os alunos podem jogar, correr, pular corda? Achei-o pequeno e escuro. Onde? Onde? Minha Escola?
      Já dentro das classes, reconheci um pouco de sua estrutura primária. Elas eram iluminadas por altas janelas que davam para a Praça da República e para a Rua Marquês de Itú. Naquele tempo em que frequentei o Primário, a praça era um lugar carinhoso, aconchegante, onde as babás levavam as crianças para tomar ar puro e brincar. Trajadas de branco, touquinhas engomadas nas cabeças bem penteadas, um tanto solenemente empurravam os carrinhos. Ou então seguravam os maiorzinhos pelas mãos e se aproximavam do lago, onde nadavam carpas e coloridas e lindos cisnes brancos.


      Praça da República-começo do séc XX
      Entre grandes e magestosas árvores que ornavam o jardim, creio que muitas delas originais, não replantadas, havia um cercado. Este continha a alegre família dos macacos, pai, mãe e três filhotes. Também nesse pequeno zoológico, moravam duas tartarugas e outros animais menores.
      Era sem medo ou preocupações que nossos pais nos deixavam ir à Escola em grupos de cinco ou seis meninas. Não havia assaltos nem violência em nossa querida cidade da garoa.
      As lembranças cheias, plenas de saudade, chegam de mansinho, porém sem roteiro, sem programa. Elas vêm e se apossam de mim. Nada as prende e organiza. São independentes e voluntariosas.
      Agora me lembro de nossas caminhadas para irmos à Escola, nas ruas calmas de tardes transparentes e ar fresco! Ou então encolhidas pela friagem da garoa. Andávamos em grupos, tanto na ida como na volta. Naquela época, íamos eu e mais cinco ou seis meninas, lideradas por nossa colega muito querida, a Guiomar Correa de Sampaio. Não me lembro se ela era um pouquinho mais velha  do que nós. Não sei. Porém, o que guardo dentro de mim é a lembrança de sua pessoa física e moral. Ponderada, estudiosíssima, transmitindo sempre o seu equilíbrio interno. Para mim, havia também certo deslumbramento ao vê-la, alta – assim eu a via – , gentil, afetuosa e vestindo habitualmente um xalezinho lilás. Como eu a admirava, ser igual a ela…ter xalezinho idêntico ao seu! Não poderíamos ter outra líder.
      Nosso bandinho era formado por Guiomar, suas duas irmãs menores, as colegas Gilda Lessa, Violeta Montoro(irmã do nosso ex-governador Montoro) e eu. Gilda, pouco mais alta do que eu(sempre fui a mais baixinha das turmas que frequentei), era muito inteligente, bonita, consciente de seus sedutores olhos verdes. No primeiro dia em que ela chegou à nossa classe, as aulas já haviam começado há uma semana. Sentou-se comigo, ou melhor, dividimos a mesma carteira, fomos colegas durante três anos. Quando chegávamos à Escola, atravessávamos o portão que dava entrada paa o pátio Então nssa turminha se desagarrava, participando da conversa barulhenta de outras colegas, até que a campainha soasse.  O silêncio se fazia, alegre. Alguma retardatária atravessava o pátio correndo, para entrar na formação das filas. Aí, ficávamos todas quietinhas, as filas já prontas, e as professoras chegavam para conduzir suas alunas às classes. Em minha saudosa lembrança, a professora Leonor Schimidt, Zuleika Ferreira de Aguiar e Albertina Borges foram as que mais se fixaram.
  Dona Leonor foi minha mestra no segundo ano. Clara, muito branca mesmo, dava-me a impressão de que abusava do pó-de-arroz. Porém, Guiomar, com quem tive contato para me ajudar nas minhas recordações, esclareceu-me à respeito da pele tão branca da professora. Ela era descendente de alemães. Muito elegante, deixou em mim a lembrança de seus vestidos em veludo sedoso ou seda farfalhante. A flor do ombro esquerdo, se não fosse do mesmo tecido do vestido, era substituída por uma rosa verdadeira.
      Gostaria de oganizar minhas lembranças, gostaria além de ordená-las, de retirar um pouco da saudade com que elas me envolvem o coração através de suas mãos macias, acetinadas, porém firmes.
      A escola funcionava em dois prédios: o da Escola Modelo propriamente dita e o do Jardim de Infância, um lindo prédio que infelizmente foi destruído em nome de qualquer projeto necessitado de usar aquele espaço maravilhoso.
      Prédio do Jardim de Infância-demolido em 1939
      No Jardim de Infância estudavam alegres pássaros irriquietos e barulhentos. As crianças ali aprendiam, juntamente aos colegas, a amar a vida, a pátria e a família. O barulho dos pequenos, ao deixarem o Jardim, suas conversas espontâneas e despreocupadas se misturavam com pequenos empurrões, cantorias e brincadeiras. No pátio, antes do sinal de silêncio, parecíamos um bando de periquitos ruidosos, alegres. Íamos buscar na Escola nosso alimento. Já formadas em filas, com nossa professora à frente, atravessávamos largos corredores e entrávamos em nossa classe. Nosso material escolar, bolsas, lancheiras eram colocados em cima das carteiras, para serem guardados mais tarde. Então cantávamos. O quê? Modinhas? Valsas? Somente cânticos patrióticos. O Hino Nacional, o Hino à Bandeira ou da Independência.
      Lembro-me bem de que um dia nossa mestra, dona Zuleika, me viu acompanhando o cântico com gestos. Fiquei perturbada, e ela me fez sinal para continuar, empurrando-me de mansinho para a frente da classe, onde continuei a catar e gesticular. Sentia-me acanhada naquele palco improvisado, mas ela repetiu o gesto para eu continuar na minha exibição teatral. Minhas colegas, por sua vez, as mais seguras de si, me acompanharam nessa pantomima. Foi muito bom. A professora bateu palmas quando o hino acabou.
      Dona Zuleika deixou em mim – e tenho certeza de que em todas as alunas – o amor pela poesia e pelo canto. No festival comemorativo de uma data nacional, ela nos preparou tão bem, com tanto fervor, chegando a nos levar várias vezes a sua casa.
      Foi nessa ocasião que eu declamei uma pequena poesia, Os Óculos da Vovó. Ganhei o primeiro lugar. Gilda, com sua linda e longa poesia A Águia, e Guiomar, com o monólogo A Carta, foram também agraciadas com fortes aplausos e parabéns dos professores. Os eventos comemorativos eram sempre realizados no “ Orphéon”, o salão nobre da Escola.

      Sala do Orpheon- aula de canto com o maestro João Gomes Júnior
      Tenho a certeza de que os fatores nascidos no Primário influiram na minha formação. São a base sobre a qual foi estruturado tudo o que aprendi através dos anos. Os excelentes ensinamentos dados pelas professoras, gentis, severas, responsáveis e amando o que faziam, denotam seu ideal: lecionar, ser mestra. Levando os alunos pelas mãos nas sendas do saber, estavam-se realizando também no exercício de sua vocação.
      Participar era a palavra-chave que sintetizava nosso dever. Éramos responsáveis pela formação de um mundo melhor – e aceitávamos esse fato com orgulho. Alunos da Caetano de Campos! Aprendíamos com elas, as mestras, a respeito de um mundo melhor porque dele, nós , crianças participávamos. O estudo das matérias nos era transmitido com tal clareza que, até hoje lembro-me perfeitamente do nome das cidades de acordo com as estradas de ferro que por elas transitavam: Central e Mogiana. Também sei bem, de cor, os nomes das capitais e das três principais cidades de cada Estado do nosso Brasil. Rios, montanhas, desenhávamos nas aulas de Geografia, colocando em seus mapas os acidentes geográficos. Nossa imaginação criativa era solicitada pelos trabalhos de descrição, redação, três vezes por semana, na aula de Português. Em cada sala de aula havia um grande painel visível para a classe toda, trazendo em cada folha uma linda ilustração. O quadro que mais me impressionou, pois ainda o tenho presente na memória, era a reprodução de uma cena familiar. No alto de pequena elevação, havia linda casa, um palacete, cercado por jardim florido. Ao findar o pequeno aclive, chegava-se a um gramado, onde havia muitas roseiras com rosas coloridas. Ali, num pequeno pátio, brincavam dois irmãozinhos de oito, nove anos. O menino, a quem dei o nome de Marcelo, corria atrás de uma bola. Era seguido por um cachorrinho negro e branco que, rápida e alegremente, seguia atrás de seu dono. A menina – como seria o seu nome? – trajava lindo vestido de renda branca, faixa rosa forte na cintura. Ela rodava um arco. Tudo tão calmo, e plácido que nada se parecia com o mundo atual no qual vivemos.
      Sempre fui muito boa aluna de Português. Nasci com vocação para escrever. Porém, esse primeiro impulso para as letras, eu o recebi de minhas mestras no primário. Elas despertavam a alegria de realizar a minha vocação, mesmo sem a definir. Eu gostava de escrever redações, descrições, contar historinhas, nas aulas de Português.
      Na minha profissão de escritora de literatura infanto-juvenil, tanto eu como minhas companheiras no exercício desse ofício estamos habituadas ao contato com estudantes de primeira e segunda séries. Vamos, com frequência, a muitos colégios daqui de São Paulo e de outras cidades do nosso e de outros Estados do Brasil. Pois bem, observando o desenvolvimento dos estudantes dessas diversas escolas, tanto particulares como estaduais ou municipais, já notei, isto é, notamos as informações dadas aos estudantes atualmente. Não há possibilidade de comparação com aquelas que recebíamos na Caetano de Campos. Aprendíamos o básico no primário, que depois iria servir de alicerce para os demais estudos. As ótimas informações das professoras eram recebidas por nós, alunas, com entusiasmo e prazer de aprender. Éramos bem-orientadas nas matérias básicas: Português, Matemática, História, Geografia e Moral e Cívica.
      Nas aulas de Português, como já disse, além de redação, aprendíamos gramática e dicção. Líamos sempre nossos trabalhos em voz alta.
      Éramos incentivadas na Matemática a fazer cálculos de cabeça. Nessas aulas não usávamos papel nem lápis. Lembro-me muito bem – até parece ter sido ontem – da primeira aula de frações. Estávamos no terceiro ano, sob a orientação dez Dona Albertina Borges. Nossa professora levou à classe um enorme chuchu, que ela dividiu ao meio. Assim, foi dividindo o chuchu em partes  até alcançar dez fatias dele. Mandou-nos desenhar, no caderno, aquilo que ela ia fazendo na sua mesa de trabalho. Foi fácil e divertido esse modo de aprendermos decimais. Às vezes, as aulas nos davam margem para pequenas brincadeiras, que as professoras toleravam e de que até mesmo participavam.
      A Caetano de Campos, além de ótimo desenvolvimento intelectual dos alunos, exigia também bom aproveitamento das artes: bordado, cerâmica, canto e teatro. As aulas de cerâmica eram dadas numa sala muito grande localizada no porão amplo e misterioso. Nele havia três mesas enfileiradas com o material de trabalho. Eu gostava muito das aulas cerâmica: porém, preferia as de ginástica, que tínhamos semanalmente. Elas eram iniciadas com brincadeiras de correr e pular corda. Assim, numa quinta-feira tínhamos ginástica, noutra, brincadeiras, e nós aproveitávamos a valer para dar expansão às nossas energias.

    Sala de modelagem no porão da escola
      De que brincávamos? De “lenço atrás”, de “pular corda”(a preferida), e outras mais: “seu lobo já vem”, “o gato e o rato”. Formávamos uma roda grande: nós, o gato e o rato preso na ponta de uma corda.  Era um ratão cinza, feio, recheado de areia. O gato ficava por fora da roda que nós mantínhamos. Ele procurava varar o cordão de mãos unidas para pegar o rato que girava no meio do círculo, a corda bem presa na mão de uma menina.

      Aula de educação física
      Nos dias chuvosos, tínhamos aula de ginástica no “ginasium”, onde então aproveitávamos todos os recursos que a Escola nos oferecia para desenvolvermos nosso físico. Brincávamos no trapézio, tentando imitar aquilo que víamos nos circos: artistas soltando as mãos, presos somente pelos pés, balançando-se. A professora sempre nos proibiu dessas artes circenses. Também havia uma ginástica bonita, mais parecendo um balé. Usávamos bolas, para levarmos as mãos num movimento ritmado. Um aparelho em forma de caixa, assim de uns 80cm de altura, conhecido como a “mula”, servia para treinarmos os pulos. Dávamos uma corridinha, batíamos as mãos juntas na “mula” e a pulávamos; devíamos cair em um colchão fofo. Quando chegava a minha vez, tiravam um suplemento desse caixote, diminuindo-o para70 cm..
     Ginasium- demolido em 1939
      Nesse dias de “ginasium” a algazarra não era tanta, como nos dias de brincar. Nas brincadeiras, apesar de a professora pedir mais calma, em respeito às classes que estudavam em salas com janelas abertas, não conseguia conter nosso entusiasmo.
      Como já disse, recebíamos também aula de canto. O “Orphéon” era um salão grande, o maior da Escola, preparado para as festas e representações escolares. Nesse grande auditório estavam montadas cadeiras nos três lados em fileiras sobrepostas. O quarto lado desse salão era aberto; portas largas davam para os dois corredores. Aprendíamos nessas aulas a solfejar, a separar notas nas escalas, a ler música. Depois ensaiávamos o canto dos hinos com manisfesta alegria.
      Havia uma música que eu amava muito, e da qual guardo na memória pequena estrofe:
                               "O céu mais lindo,
                                 mais cor de anil,
                                   é o céu infindo
                                   do meu Brasil.”
      Eu amava com fervor os hinos patrióticos. Nosso professor de Música, Maestro Cardim, transmitiu-nos esse amor, esse entusiasmo. Tenho a certeza do que afirmo. O bom professor desperta em seus alunos a vontade de saber, aumenta sua curiosidade sadia em torno da vida.
      Havia na Escola uma tradição de dignidade desde sua parte material – o prédio escolar com tudo o que era necessário ao bem-estar dos alunos, professores e adjuntos. O trato humano com os alunos, o respeito entre a criança e o adulto, criaram em mim a visão do mestre, seu alto valor.  Também nos eram cobrados, como alunos da Caetano de Campos, comportamento, honestidade, estudo; enfim, havia uma troca: recebíamos e divíamos dar.
Assim, dia a dia, ou melhor, hora a hora (aquelas que passávamos em contato com os professores) íamos aprendendo que dependia muito de nós a construção de um mundo melhor. Ansiávamos por testemunhar com nossos atos a satisfação, a felicidade de estarmos lá na Escola Caetano de Campos, de sermos seus alunos, aprendendo não somente ciências, mas também a valorizar e participar da vida. O orgulho de nossa Escola, de nossos mestres, desenvolveu em nós a convicção de que éramos privilegiados. Alunos da Caetano de Campos.
                                                            Odette, década de 1990
Fonte:
Reis, Maria Cândida Delgado- “Caetano de Campos”- Fragmentos da História da Instrução Pública em São Paulo- 1994 –Gráfica Editora Hamburg
Fotos: CRE Mário Covas


sábado, 25 de fevereiro de 2012

Jorge Americano

Foi aluno da Escola Caetano de Campos e escreveu um livro sobre a cidade de São Paulo na virada do século, com seus costumes e peculiaridades e citou a escola em vários capítulos.
Jorge Americano nasceu em 25 de Agosto de 1891. Era filho de Amélia Cardoso Americano e do Coronel Luiz Americano. Não é irmão de Oscar Americano, como muitos imaginam.
Morou no bairro dos Campos Elíseos e era de família abastada. Casou-se com Maria Rafaela de Paula Souza e teve um filho.
Formou-se em Direito, em 1912.
A partir de 1927 conquistou livre-docência em Direito Civil, foi eleito deputado e em fins de 1928 foi nomeado por Washington Luís procurador-geral da Justiça do Distrito Federal, no Rio de janeiro.Na década de 1930 veio para São Paulo e começou a lecionar no Ginásio São Bento e na Escola de Comércio Álvares Penteado.
Em 1933 tornou-se catedrádico de Direito Civil na USP, onde permaneceu até 1962.
Foi presidente do Instituto dos Advogados e até atuou como juiz no Tribunal de Arbritagem de Haia.


                                              Jorge Americano quando então reitor da USP

Foi reitor da Universidade de São Paulo de 19/07/1941 à 10/10/1946.
Foi um dos criadores e fundadores da Faculdade de Direito Mackenzie,  onde foi ministrou a aula inaugural no dia 12 de Abril de 1955. Foi seu diretor da Instituição afastando-se depois desta escola por divergir-se dos outros membros da diretoria. Dedicou-se então à pintura e literatura.

 de Jorge Americano : encontra-se na sala de professores da Faculdade de Direito Mackenzie


                     Jorge Americano- fotografia do arquivo da Faculdade de Direito Mackenzie

Escreveu inúmeros livros jurídicos e publicou o livro de crônicas “São Paulo Naquele Tempo” ( 1895-1915) em 1957, “São Paulo Nesse Tempo “( 1915-1935) e ”São Paulo atual ( 1935-1962)
Faleceu em  6 de fevereiro de 1969, aos 78 anos.

                                       ****************************

Do Livro São Paulo Naquele Tempo- 1895-1915 :



Quando Jorge Americano foi com os seus pais, pela primeira vez à escola , em 1898, contou o seguinte:

“Na Praça da República entraram no edifício da Escola-Modelo Caetano de Campos pela porta lateral da seção masculina, que dava para o lado da Rua Araújo, onde começa a Rua Marquês de itú.
Passando o saguão, dobraram o corredor à direita e o pai bateu à segunda porta. Abriu-a uma moça loura, e entraram na sala de aulas onde haveria uns 40 meninos, todos a olhar para o recém-chegado. 


O casal trocou palavras com a moça, pedindo-lhe que o menino não podia sentar-se perto da janela nem tomar vento encanado, porque era delicado de saúde. Beijaram-no, recomendando-lhe que se portasse bem, e que o pai viria buscá-lo às três horas da tarde…”





O Primeiro Ano Escolar

Um dia fôramos ver um desfile militar no Largo do Palácio. Era um batalhão da Força Pública, que vinha , vitorioso, da Revolução de Canudos…
No meio dos soldados um menino de sete anos , mais ou menos, fardado. Era dos últimos remanescentes da gente do Antônio Conselheiro…Ele era Ludgero Prestes, por ter sido adotado por Gabriel Prestes.
Quando fui matriculado na escola Caetano de Campos, Ludgero estava lá, também no primeiro ano. Foi professor, diretor de Grupo Escolar, inspetor escolar. Faleceu há poucos anos”.


                                                                  Ludgero Prestes

(A história sobre Ludgero Prestes já foi publicada no blog , no mês de Janeiro de 2012.)


“A escola era bem organizada. Cesário Mota, Caetano de Campos, Miss Browne…tinham modernizado o ensino. Os professores amavam a tarefa. Ensinavam bem. “Cartilha das Mães”, de Arnaldo Barreto, o qual dirigia, com título de Inspetor , a sessão masculina…



Pauzinhos de tamanhos de meios-palitos para aprendizado de somas e subtrações. Cartões em cores variadas, de formas triangulares, poligonais, para geometria. Pequenos cubos, cones, pirâmides, cilindros de madeira, para geometria no espaço…
Quando dava cansaço, dez minutos de cânticos em aula. Novos estudos. Novo cansaço, os meninos faziam marcha ritmada em torno das ala, ao som de palmas da professora, ou com música de piano. No próximo descanço, ginástica ritmada, dos braços, na sala.



Havia também aula de ginástica sueca no patio do recreio, com bastões, marchas, corridas, saltos de trampolim, subida de corda, pulos de cavaletes, exercício de paralelas e barra fixa.
O batalhão escolar era uniformizado de branco, chefiado pelo prof. Augusto de Carvalho, do 5* ano, que o superintendia nos dias de festa, fardado de capitão da Guarda Nacional.



O comandante, Colatino Fagundes, era já do curso complementar, e o vice-comandante Januzzi também. Nos dias de festa nacional eles montavam cavalos brancos, no desfile…

Um grupo de maiores, do quarto ou quinto ano, saía à tarde , uma vez por semana, com seu Carvalho… iam jogar um novo jogo de bola chamado “football”, no descampado atrás da capela de Santa Cecília.- 1900/1902

No recreio jogavam-se bolinha de gude. Brincava-se de barra-bandeira e de barra-manteiga, ou de acusado”. Às vezes seis ou oito meninos engarupavam-se nas costas de outros tantos, formando roda, jogando bola. O que não apanhava a bola passava a ser cavalo, e o cavalo a cavaleiro.




Ao fim do recreio seu Arnaldo Barreto vinha ao patamar da escada, com uma sineta na mão. ( este foi um dos maiores mestres da escola, criador de várias cartilhas, fundou a escola de grumetes da marinha, entre outras coisas). Meninos corriam a ele, pedindo para deixá-los bater a sineta ( essa sineta continuou na escola até o final da década de 1970, quando a escola fechou suas portas na Praça da República, tem coisas que nunca mudam, pedíamos também para as inpetoras pra badalarmos a sineta)



Formavam-se as filas e os alunos acompanhavam suas professoras até a salas de aula.
Se chovia , o recreio era na sala de aula. ( Isso nunca mudou!). As merendas dos meninos eram levadas em latinhas verdes com um menino e um cachorro estampados ( para os meninos) Para as meninas era cor de rosa, estampada uma menina pulando corda.

Os Outros Anos Escolares

No Segundo ano ensinava D. Isabel…Começamos a escrever a tinta ( como na década de 1970!). Desenhávamos mapas do estado de São Paulo e do Brasil. Multiplicações e divisões. Pequenos problemas. Aulas de modelagem, com barro mole, no porão da escola.


 Modelávamos laranjas, maçãs, pequenos objetos de uso, sob a direção do seu Aymberé.
O terceiro ano começou regido por D. Chiquita e foi substituida por D. Eunice. Frações ordinárias, decimais, problemas mais difíceis. História natural, noções de física, botânica e zoologia. Marcenaria, no porão, com seu Bruno. Eram pequenas réguas, pranchas, cabides, molduras e quadros.
No quarto ano passamos a ter professor, seu Puigari ( ele foi aluno do grande mestre Romão Puigari, o criador do Hino Salve Escola!!!). desenvolveu-se o curso no mesmo teor. Acrescentou-se a química com pequenas experiências em aparelhos.


                                                                 Romão Puigari


No quinto ano , seu Carvalho. Fanatizava os meninos. Tinha um topete caido sobre a testa, quando andava sacudia o corpo e o topete balançava…em casa, os pais não sabiam porque os filhos queriam andar despenteados, com o cabelo caído na testa.







Fontes:

Academia Brasileira de Direito Processual Civil

Revista Mackenzie: Comemorativo de 50 anos da Faculdade de Direito

Americano, Jorge- "São Paulo naquele tempo"( 1895-1915)- Saraiva- 1957




sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Ginásio Macedo Soares e Escola de Farmácia

José Eduardo Macedo Soares

Nascido em Maricá, Estado do Rio de Janeiro, depois de concluir seus estudos em humanidades, matriculou-se na Faculdade de Medicina, onde teve especial interesse no Curso de Farmácia ( naquela época não havia uma Faculdade específica para este curso).
Em 1881, veio para São Paulo, onde adquiriu a “Farmácia Popular”, à Rua 15 de Novembro, na época muito conhecida na cidade.
Em 1888, deixou o comercio para dar aulas de Química e Física na Escola Normal e lá permaneceu por trinta anos nessa cátedra.
Iniciou em 1901, um curso preparatório na Rua General Jardim, depois transferido para a Rua do Arouche, 28- onde fundou então um externato para meninos e meninas. Os cursos são professados conjuntamente, havendo, porém, lugares separados, nas aulas, para as alunas, assim como uma sala especial para o seu recreio. As matérias lecionadas são as mesmas do programa do Ginásio Nacional; e, como este, o Ginásio Macedo Soares prepara para a admissão aos cursos das escolas superiores da República. 

                                                 prof. Dr. José Eduardo Macedo Soares

Em 1904 funda na Vila Mariana , na Chácara da Conceição um internato, na Rua Senador Vergueiro, 300- “em magnífico edifício, perfeitamente apropriado ao fim que se destina , e recebe só alunos. " Ambos conhecidos por Ginásio Macedo Soares.
"Quer o Internato, quer o Externato, estão admiravelmente instalados e providos de todo o material escolar moderno, necessário ao seu funcionamento. No Internato há também, com o objetivo higiênico, o ensino de Ginástica. Os recreios são excelentemente situados na parte arborizada da bela chácara da Conceição. O Ginásio tem grande número de alunos numa e outra das seções, e o seu corpo docente é constituído pelos nomes mais considerados do professorado paulista. É diretor do Internato o bacharel José Carlos de Macedo Soares do Externato o dr. José Eduardo de Macedo Soares ".


                                                  Bacharel José Carlos Macedo Soares

Para tanto, diversos mestres ligados à Escola Normal são contratados.

Macedo Soares procurando estudar e aplicar métodos e processos de ensino viajou para diversos países, como Argentina, França, Suiça, Itália e Inglaterra.

Teve muitos filhos , que estudaram na escola Caetano de Campos:
José Carlos ( este tornou-se mais tarde embaixador etambém ajudou o pai a administrar seu Ginásio), José Eduardo, José Paulo, José Cássio, José Fernandes e filhas.

Em 1899 fundou juntamente com Braulio Gomes a A Escola de Farmácia, Odontologia e Obstetrícia do Estado de São Paulo que foi oficialmente inaugurada a 11 de fevereiro daquele ano, em um prédio à Rua Tobias Barreto, 7, onde por algum tempo continuou funcionando. o primeiro grupo inaugurado, o de Farmácia, seguiram-se, a pequenos intervalos, o de Odontologia e o de Obstetrícia.
Em 12 de outubro de 1905, inaugurou a escola o seu novo edifício à Rua Três Rios, na antiga Chácara Dudley, atualmente, Bom Retiro.


       Faculdade de Farmácia- Rua Três Rios


Dirigiu esta Escola de Farmácia de 1911 à 1913.

Faleceu em 1918. Com sua morte foram encerradas as atividades do Ginásio que tinha seu nome.


Fontes:

Impressões do Brazil no Seculo Vinte, editada em 1913 e impressa na Inglaterra por Lloyd's Greater Britain Publishing Company, Ltd.,

Poliantéia Comemorativa- 100 anos da Escola Normal

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Licée Pasteur e a Escola Normal


          No Brasil, dois liceus franceses foram fundados: um no Rio, em 1916, e outro em São Paulo, em 1923. Este último é fruto direto da atividade de Georges Dumas, um representante da França no Brasil com a finalidade de divulgar a cultura francesa e criar “produtos franceses "a serem consumidos fora da França.
Esteve inúmeras vezes no Brasil, além de outros países na América Latina.
Destas viagens percebeu que a melhor maneira de se divulgar a cultura francesa era através da criação de liceus, e fez aqui inúmeras amizades com o intuíto de levar adiante este projeto.

                                                                    Georges Dumas
Em São Paulo aproximou-se de Ruy de Paula Souza que fundou em 1923 o Liceu Franco- Brasileiro, uma das primeiras tentativas de seriação sistematizada do ensino secundário no Brasil.
Ruy de Paula Souza nasceu em Itú a 2 de fevereiro de 1869. Fez seus estudos primários e secundários em Paris, bacharelando-se em Letras na Sorbonne.
Em 1904 fez concurso e, sendo habilitado, conseguiu a cátedra de Francês na Escola Normal.
Foi diretor da Escola Normal entre 1910 e 1914.
Cavaleiro da Legião de Honra Francesa, foi com o arquiteto Ramos de Azevedo, Alfredo Pujol, Victor da Silva Freitas e Georges Dumas, um dos fundadores da “Union France-Amerique” cujo objetivo era a aproximação intelectual entre franceses e brasileiros.


                                                              Ruy de Paula Souza

O liceu de São Paulo tem para Georges Dumas valor de modelo para todos os países onde a colônia francesa é pouco importante e o contexto interno é nacionalista. Ele tem um diretor brasileiro, seus professores também o são, segue os programas brasileiros e a pedagogia indicada pela Escola Normal de São Paulo.
O grande mestre da Escola Normal, Cyridião Buarque, também é um de seus fundadores, além de José Carlos de Macedo Soares,que estudou no Caetano de Campos e era filho do mestre da Escola Normal José Eduardo de Macedo Soares.
Outros fundadores: Julio Mesquita, Frederico Steidel, José Frederico Borba, João Alves de Lima, Reynaldo Porchat,Carlos Botelho, Bittencourt Rodrigues, Oscar de Sá Campello.


Portanto, o Licée Pasteur , que no início chamava-se Liceu Franco- Brasileiro originou-se como muitas outras escolas do Brasil, dos professores da Escola Normal da Praça.
Muitos alunos eram matriculados no sistema de internato e só voltavam para casa nos finais de semana.

Outro fato curioso, foi quando George Dumas apresentou para Julio de Mesquita Filho os professores que iriam dar aulas na recém criada Universidade de São Paulo, que funcionou no terceiro andar na Escola Caetano de Campos, num depoimento de Claude Lévi-Strauss, percebe-se quanto foi “diferente “a estadia destes professores aqui no Brasil:

"Meus colegas da missão universitária francesa e eu éramos, quase todos, pequenos professores em liceus de província cujo desejo de evasão, cujo gosto pela pesquisa haviam chamado a atenção de Georges Dumas. Após termos vivido em alojamentos muito modestos, nos instalávamos em vastas casas particulares com jardim nas quais nossas esposas seriam servidas por domésticas (a primeira em nossa casa foi uma mulata muito bonita que tivemos de despedir porque em nossa ausência tomava os vestidos de minha mulher par ir dançar nos clubes carnavalescos; depois, duas encantadoras irmãs portuguesas que não tinham, somadas suas idades, quarenta anos, e que foi preciso contratar juntas, pois não queriam se separar).
Embora em São Paulo a altitude livrasse o clima do abafado calor tropical, podiam se vestir roupas mais leves que na França. Não estávamos habituados ao luxo. Um deles era o alfaiate vir tomar nossas medidas e fazer as provas em domicílio. O baixo preço dos produtos alimentares e dos serviços nos daria a impressão de termos escalado vários degraus na escala social. Profissionalmente também, uma vez que éramos promovidos do ensino secundário ao ensino superior, tendo por alunos homens e mulheres jovens geralmente de nossa idade e que às vezes a ultrapassavam."

                                                              Claude Lévi-Strauss- 1935
Jean Maugüé relata igualmente que os salários que os professores recebiam eram muito importantes: "Assim nós pudemos comprar carros americanos, e Braudel, que não gostava de dirigir, se deu o luxo de ter um chofer particular italiano" (Maugüé 1972: 93).

Fontes:

A política cultural da França no Brasil entre 1920 e 1940: o direito e o avesso das missões universitárias- Hugo Suppo- Depto. de História Moderna e Contemporânea – UERJ
Poliantéia Comemorativa dos Cem anos da Escola Normal- pgs 96 e 108