Nascida no interior de São Paulo em Igarapava em 24/5/1913 estudou sempre na Escola Caetano de Campos tendo se formado na Escola Normal, foi professora, poetisa e escritora, em 1981 teve a marca de mais de um milhão de livros vendidos, entre eles traduções em outras línguas e vários em braile. Teve mais de 60 títulos de livros infantis publicados.
Odette, em 1953,aos 40 anos
Ganhou vários prêmios literários, entre eles o Monteiro Lobato da Academia Brasileira de Letras, por “Justino, o Retirante”, considerado um marco no realismo na literatura infanto-juvenil brasileira.
Ganhou também o prêmio Fundação Educacional do Distrito Federal, por “Marco e os Índios do Araguaia”.
Faleceu em 23/05/1998, aos 83 anos.
O texto abaixo refere-se ao período em que Odette iniciou seus estudos no curso primário da Escola em 1921, foi escrito em 1994.
Olhar de menina
Revejo meu passado Há precisamente 73 anos, fui matriculada na Escola-modelo Caetano de Campos.
Muito querida, essa escola marcou profundamente minha personalidade. Queridas professoras tão dignas, tão eficientes. Colegas, amigas, com as quais trocava gestos carinhosos, sabedoria.
Procuro dentro de mim juntar os pequeninos cacos de cerâmica para reconstruir um quadro muito estimado, representando anos de minha infância. Partido pelo tempo, mas intacto no coração, esse quadro persiste na memória.
Minha primeira professora , moça ou velha? Somente sei com certeza que, participante, bondosa e dedicada à minha formação, ela abriu-me as portas do castelo encantado e despejou, em meu colo, as pedras maravilhosas da arca. Foi aquela que um dia , o mais azul, festivo, pleno de anseios , tomou minha mãozinha fria e assustada de oito anos nas suas, cálidas e confortadoras, ensinando-me a segurar o lápis, a respeitar as linhas do caderno de caligrafia e a traçar a letra “a” – uma xícara de chá, uma rodinha com pequena asa.
A minha querida professora não era “tia”, pois havia muito respeito entre nós. Ela era a mestra que nos ensinava tantas coisas novas, que, se não a respeitássemos, duvidaríamos de tudo o que nos fora ensinado. Como crer que o mundo era uma bola igual a uma laranja, achatada nos dois polos? Mas a gente se perguntava, trocando conhecimentos durante o recreio ,se a terra era parecida com uma laranja, onde ficava o cabinho que a segurava? Não dava mesmo para entender. Porém, era a nossa professora quem afirmava: a laranja gira solta no espaço, no céu azul ou cinza, sem cabo para segurá-la.
E a tabuada, então? 2 + 2 = 4. Por que não 3?
Até agora, graças à professora do segundo ano, faço contas mentalmente, mais rápido que meus netos com suas maquininhas. Para que isso acontecesse, nossa inteligência era instigada pelas contas feitas mentalmente.
E os tornos? Nunca mais os vi em nenhuma escola que frequentei , aquelas onde faço palestras. Talvez nem existam mais. Porém, quem cursou o segundo ano da Escola Modelo Caetano de Campos deve-se lembrar deles. Com os tornos (pauzinhos minúsculos que eram próprios para as nossas mãos pequeninas), fazíamos contas, letras ou lindas paisagens.
"Tornos"- pequenos bastões de madeira- acervo da escola
Essas minhas lembranças surgem desordenadas, não seguem a lei imposta pela literatura. São borboletas azuis, brancas ou escuras, voejantes, coloridas, e eu procuro prendê-las, mas são livres e impetuosas.
"Tornos"- pequenos bastões de madeira- acervo da escola
Essas minhas lembranças surgem desordenadas, não seguem a lei imposta pela literatura. São borboletas azuis, brancas ou escuras, voejantes, coloridas, e eu procuro prendê-las, mas são livres e impetuosas.
Sinto-me, agora, envolvida pelo sentimento patriótico; Nosso amor pelo Brasil, nossa querida Pátria, era imenso. Grande, tão grande, que transbordava de nossos olhos em sentidas lágrimas de felicidade, de orgulho, quando cantávamos ou víamos a bandeira, a nossa bandeira, auriverde, tremular ao sopro da brisa leve.
Ao entrarmos em classe, deixávamos nossos instrumentos escolares em cima das carteiras e cantávamos o Hino Nacional ou aquele dedicado à Bandeira.
Em dias de comemorações cívicas, nós, alunos, reuníamo-nos no pátio do colégio com as professoras e a diretoria. Aí se processava a homenagem da data, começando sempre pelo hasteamento da bandeira. Esse acontecimento tinha um cerimonial emocionante para nossas almas infantis. Todos nós, alunos, vibrávamos ao cantar os hinos e ao ver a bandeira auriverde sendo erguida até o topo do mastro! Três alunas, que se haviam distinguido em estudos e comportamento, entravam no pátio, vindas do salão onde se guardava a bandeira. Uma carregava nos braços estendidos e as outras duas, lado a lado, seguravam as fitas verde-amarelas que se prendiam à bandeira. Ela era hasteada e então cantávamos cânticos patrióticos.
Porém, antes de me embrenhar totalmente nas recordações da infância, como aluna da Escola Modelo Caetano de Campos, quero falar de sua estrutura material, o edifício.
Em meus primeiros anos de estudante, a Escola era formada por um todo: Jardim de Infância, Primário, Complementar e Normal. Bem mais tarde é que se formaram novos cursos, como o de Pedagogia e o de Psicologia.
O conjunto escolar ficava na Praça da República, cercado por grades baixas fixadas na mureta. Nela, nós alunas nos sentávamos, findas as aulas. Ficávamos ali, à espera de alguém de nossas famílias ou então de colegas de outras classes . Ali conversávamos. Havia muito o que falar. A Escola devia ter um visgo a segurar nossos pezinhos. Impedidas de partir, ficávamos ali presas pelos laços carinhosos que nos ligavam aos mestres e às colegas. Tínhamos sempre algo muito importante a conversar, ideias a trocar.
O jardim circundante era todo florido: rosas de cores várias predominavam entre dálias e cravos. Depois de atravessar o jardim, entrávamos no saguão, por porta lateral, já que a principal, larga, bonita, era usada somente por visitantes e pelo corpo docente.
Seguíamos barulhentas do saguão ao pátio, passarinhos livres que naquele momento só pensavamem chilrear. Esse pátio, sempre o tive na memória como grande, muito grande, até que…
Um dia, já com certa idade, fui convidada para uma palestra. Fui conversar com alunos da Escola Caetano de Campos. Eram duas oitavas séries, que haviam lido alguns de meus livros. Com emoção transpus o jardim cheio de flores, de rosas! Devia ser primavera. Não existiam mais as grades presas na mureta. O jardim terminava na calçada. Mais tarde, elas voltaram bem mais altas. Talvez alguns alunos se sentassem lá, como fazíamos. Essas grades primeiras foram retiradas em nome da liberdade. Julgavam alguns senhores, orientadores talvez da Escola, que ela, a pequena grade, impunha certos limites aos alunos. Eu creio que elas davam ideia de proteção. A mim me parecia que transpondo o portão, além das grades, estaríamos desamparadas, envolvidas pelos transeuntes. Assim nos sentíamos; éramos parte da grande família dos alunos da Escola Modelo Caetano de Campos.
Já adulta, ao transpor a entrada para o encontro com os alunos leitores, julguei ter-me enganado. “Estou muito emocionada, pensei, o coração aos pulos. Esta não é a minha Escola. Enganei-me e entrei num outro prédio com jardim cheio de roseiras floridas. “ Aquele pátio, cercado por altas paredes, parecia-me pequeno, não era o pátio onde nos reuníamos antes das aulas e no recreio. Não, não podia ser. Era impossível que naquele pedacinho de terra, cimentado, tivéssemos aprendido ginástica. “Um, dois, braços para o alto, um, dois, um dois…” E também ali pensei: será que os alunos podem jogar, correr, pular corda? Achei-o pequeno e escuro. Onde? Onde? Minha Escola?
Já dentro das classes, reconheci um pouco de sua estrutura primária. Elas eram iluminadas por altas janelas que davam para a Praça da República e para a Rua Marquês de Itú. Naquele tempo em que frequentei o Primário, a praça era um lugar carinhoso, aconchegante, onde as babás levavam as crianças para tomar ar puro e brincar. Trajadas de branco, touquinhas engomadas nas cabeças bem penteadas, um tanto solenemente empurravam os carrinhos. Ou então seguravam os maiorzinhos pelas mãos e se aproximavam do lago, onde nadavam carpas e coloridas e lindos cisnes brancos.
Praça da República-começo do séc XX
Praça da República-começo do séc XX
Entre grandes e magestosas árvores que ornavam o jardim, creio que muitas delas originais, não replantadas, havia um cercado. Este continha a alegre família dos macacos, pai, mãe e três filhotes. Também nesse pequeno zoológico, moravam duas tartarugas e outros animais menores.
Era sem medo ou preocupações que nossos pais nos deixavam ir à Escola em grupos de cinco ou seis meninas. Não havia assaltos nem violência em nossa querida cidade da garoa.
As lembranças cheias, plenas de saudade, chegam de mansinho, porém sem roteiro, sem programa. Elas vêm e se apossam de mim. Nada as prende e organiza. São independentes e voluntariosas.
Agora me lembro de nossas caminhadas para irmos à Escola, nas ruas calmas de tardes transparentes e ar fresco! Ou então encolhidas pela friagem da garoa. Andávamos em grupos, tanto na ida como na volta. Naquela época, íamos eu e mais cinco ou seis meninas, lideradas por nossa colega muito querida, a Guiomar Correa de Sampaio. Não me lembro se ela era um pouquinho mais velha do que nós. Não sei. Porém, o que guardo dentro de mim é a lembrança de sua pessoa física e moral. Ponderada, estudiosíssima, transmitindo sempre o seu equilíbrio interno. Para mim, havia também certo deslumbramento ao vê-la, alta – assim eu a via – , gentil, afetuosa e vestindo habitualmente um xalezinho lilás. Como eu a admirava, ser igual a ela…ter xalezinho idêntico ao seu! Não poderíamos ter outra líder.
Nosso bandinho era formado por Guiomar, suas duas irmãs menores, as colegas Gilda Lessa, Violeta Montoro(irmã do nosso ex-governador Montoro) e eu. Gilda, pouco mais alta do que eu(sempre fui a mais baixinha das turmas que frequentei), era muito inteligente, bonita, consciente de seus sedutores olhos verdes. No primeiro dia em que ela chegou à nossa classe, as aulas já haviam começado há uma semana. Sentou-se comigo, ou melhor, dividimos a mesma carteira, fomos colegas durante três anos. Quando chegávamos à Escola, atravessávamos o portão que dava entrada paa o pátio Então nssa turminha se desagarrava, participando da conversa barulhenta de outras colegas, até que a campainha soasse. O silêncio se fazia, alegre. Alguma retardatária atravessava o pátio correndo, para entrar na formação das filas. Aí, ficávamos todas quietinhas, as filas já prontas, e as professoras chegavam para conduzir suas alunas às classes. Em minha saudosa lembrança, a professora Leonor Schimidt, Zuleika Ferreira de Aguiar e Albertina Borges foram as que mais se fixaram.
Dona Leonor foi minha mestra no segundo ano. Clara, muito branca mesmo, dava-me a impressão de que abusava do pó-de-arroz. Porém, Guiomar, com quem tive contato para me ajudar nas minhas recordações, esclareceu-me à respeito da pele tão branca da professora. Ela era descendente de alemães. Muito elegante, deixou em mim a lembrança de seus vestidos em veludo sedoso ou seda farfalhante. A flor do ombro esquerdo, se não fosse do mesmo tecido do vestido, era substituída por uma rosa verdadeira.
Gostaria de oganizar minhas lembranças, gostaria além de ordená-las, de retirar um pouco da saudade com que elas me envolvem o coração através de suas mãos macias, acetinadas, porém firmes.
A escola funcionava em dois prédios: o da Escola Modelo propriamente dita e o do Jardim de Infância, um lindo prédio que infelizmente foi destruído em nome de qualquer projeto necessitado de usar aquele espaço maravilhoso.
Prédio do Jardim de Infância-demolido em 1939
No Jardim de Infância estudavam alegres pássaros irriquietos e barulhentos. As crianças ali aprendiam, juntamente aos colegas, a amar a vida, a pátria e a família. O barulho dos pequenos, ao deixarem o Jardim, suas conversas espontâneas e despreocupadas se misturavam com pequenos empurrões, cantorias e brincadeiras. No pátio, antes do sinal de silêncio, parecíamos um bando de periquitos ruidosos, alegres. Íamos buscar na Escola nosso alimento. Já formadas em filas, com nossa professora à frente, atravessávamos largos corredores e entrávamos em nossa classe. Nosso material escolar, bolsas, lancheiras eram colocados em cima das carteiras, para serem guardados mais tarde. Então cantávamos. O quê? Modinhas? Valsas? Somente cânticos patrióticos. O Hino Nacional, o Hino à Bandeira ou da Independência.
Lembro-me bem de que um dia nossa mestra, dona Zuleika, me viu acompanhando o cântico com gestos. Fiquei perturbada, e ela me fez sinal para continuar, empurrando-me de mansinho para a frente da classe, onde continuei a catar e gesticular. Sentia-me acanhada naquele palco improvisado, mas ela repetiu o gesto para eu continuar na minha exibição teatral. Minhas colegas, por sua vez, as mais seguras de si, me acompanharam nessa pantomima. Foi muito bom. A professora bateu palmas quando o hino acabou.
Dona Zuleika deixou em mim – e tenho certeza de que em todas as alunas – o amor pela poesia e pelo canto. No festival comemorativo de uma data nacional, ela nos preparou tão bem, com tanto fervor, chegando a nos levar várias vezes a sua casa.
Foi nessa ocasião que eu declamei uma pequena poesia, Os Óculos da Vovó. Ganhei o primeiro lugar. Gilda, com sua linda e longa poesia A Águia, e Guiomar, com o monólogo A Carta, foram também agraciadas com fortes aplausos e parabéns dos professores. Os eventos comemorativos eram sempre realizados no “ Orphéon”, o salão nobre da Escola.
Sala do Orpheon- aula de canto com o maestro João Gomes Júnior
Tenho a certeza de que os fatores nascidos no Primário influiram na minha formação. São a base sobre a qual foi estruturado tudo o que aprendi através dos anos. Os excelentes ensinamentos dados pelas professoras, gentis, severas, responsáveis e amando o que faziam, denotam seu ideal: lecionar, ser mestra. Levando os alunos pelas mãos nas sendas do saber, estavam-se realizando também no exercício de sua vocação.
Participar era a palavra-chave que sintetizava nosso dever. Éramos responsáveis pela formação de um mundo melhor – e aceitávamos esse fato com orgulho. Alunos da Caetano de Campos! Aprendíamos com elas, as mestras, a respeito de um mundo melhor porque dele, nós , crianças participávamos. O estudo das matérias nos era transmitido com tal clareza que, até hoje lembro-me perfeitamente do nome das cidades de acordo com as estradas de ferro que por elas transitavam: Central e Mogiana. Também sei bem, de cor, os nomes das capitais e das três principais cidades de cada Estado do nosso Brasil. Rios, montanhas, desenhávamos nas aulas de Geografia, colocando em seus mapas os acidentes geográficos. Nossa imaginação criativa era solicitada pelos trabalhos de descrição, redação, três vezes por semana, na aula de Português. Em cada sala de aula havia um grande painel visível para a classe toda, trazendo em cada folha uma linda ilustração. O quadro que mais me impressionou, pois ainda o tenho presente na memória, era a reprodução de uma cena familiar. No alto de pequena elevação, havia linda casa, um palacete, cercado por jardim florido. Ao findar o pequeno aclive, chegava-se a um gramado, onde havia muitas roseiras com rosas coloridas. Ali, num pequeno pátio, brincavam dois irmãozinhos de oito, nove anos. O menino, a quem dei o nome de Marcelo, corria atrás de uma bola. Era seguido por um cachorrinho negro e branco que, rápida e alegremente, seguia atrás de seu dono. A menina – como seria o seu nome? – trajava lindo vestido de renda branca, faixa rosa forte na cintura. Ela rodava um arco. Tudo tão calmo, e plácido que nada se parecia com o mundo atual no qual vivemos.
Sempre fui muito boa aluna de Português. Nasci com vocação para escrever. Porém, esse primeiro impulso para as letras, eu o recebi de minhas mestras no primário. Elas despertavam a alegria de realizar a minha vocação, mesmo sem a definir. Eu gostava de escrever redações, descrições, contar historinhas, nas aulas de Português.
Na minha profissão de escritora de literatura infanto-juvenil, tanto eu como minhas companheiras no exercício desse ofício estamos habituadas ao contato com estudantes de primeira e segunda séries. Vamos, com frequência, a muitos colégios daqui de São Paulo e de outras cidades do nosso e de outros Estados do Brasil. Pois bem, observando o desenvolvimento dos estudantes dessas diversas escolas, tanto particulares como estaduais ou municipais, já notei, isto é, notamos as informações dadas aos estudantes atualmente. Não há possibilidade de comparação com aquelas que recebíamos na Caetano de Campos. Aprendíamos o básico no primário, que depois iria servir de alicerce para os demais estudos. As ótimas informações das professoras eram recebidas por nós, alunas, com entusiasmo e prazer de aprender. Éramos bem-orientadas nas matérias básicas: Português, Matemática, História, Geografia e Moral e Cívica.
Nas aulas de Português, como já disse, além de redação, aprendíamos gramática e dicção. Líamos sempre nossos trabalhos em voz alta.
Éramos incentivadas na Matemática a fazer cálculos de cabeça. Nessas aulas não usávamos papel nem lápis. Lembro-me muito bem – até parece ter sido ontem – da primeira aula de frações. Estávamos no terceiro ano, sob a orientação dez Dona Albertina Borges. Nossa professora levou à classe um enorme chuchu, que ela dividiu ao meio. Assim, foi dividindo o chuchu em partes até alcançar dez fatias dele. Mandou-nos desenhar, no caderno, aquilo que ela ia fazendo na sua mesa de trabalho. Foi fácil e divertido esse modo de aprendermos decimais. Às vezes, as aulas nos davam margem para pequenas brincadeiras, que as professoras toleravam e de que até mesmo participavam.
A Caetano de Campos, além de ótimo desenvolvimento intelectual dos alunos, exigia também bom aproveitamento das artes: bordado, cerâmica, canto e teatro. As aulas de cerâmica eram dadas numa sala muito grande localizada no porão amplo e misterioso. Nele havia três mesas enfileiradas com o material de trabalho. Eu gostava muito das aulas cerâmica: porém, preferia as de ginástica, que tínhamos semanalmente. Elas eram iniciadas com brincadeiras de correr e pular corda. Assim, numa quinta-feira tínhamos ginástica, noutra, brincadeiras, e nós aproveitávamos a valer para dar expansão às nossas energias.
Sala de modelagem no porão da escola
De que brincávamos? De “lenço atrás”, de “pular corda”(a preferida), e outras mais: “seu lobo já vem”, “o gato e o rato”. Formávamos uma roda grande: nós, o gato e o rato preso na ponta de uma corda. Era um ratão cinza, feio, recheado de areia. O gato ficava por fora da roda que nós mantínhamos. Ele procurava varar o cordão de mãos unidas para pegar o rato que girava no meio do círculo, a corda bem presa na mão de uma menina.
Aula de educação física
Nos dias chuvosos, tínhamos aula de ginástica no “ginasium”, onde então aproveitávamos todos os recursos que a Escola nos oferecia para desenvolvermos nosso físico. Brincávamos no trapézio, tentando imitar aquilo que víamos nos circos: artistas soltando as mãos, presos somente pelos pés, balançando-se. A professora sempre nos proibiu dessas artes circenses. Também havia uma ginástica bonita, mais parecendo um balé. Usávamos bolas, para levarmos as mãos num movimento ritmado. Um aparelho em forma de caixa, assim de uns 80cm de altura, conhecido como a “mula”, servia para treinarmos os pulos. Dávamos uma corridinha, batíamos as mãos juntas na “mula” e a pulávamos; devíamos cair em um colchão fofo. Quando chegava a minha vez, tiravam um suplemento desse caixote, diminuindo-o para70 cm..
Ginasium- demolido em 1939
Nesse dias de “ginasium” a algazarra não era tanta, como nos dias de brincar. Nas brincadeiras, apesar de a professora pedir mais calma, em respeito às classes que estudavam em salas com janelas abertas, não conseguia conter nosso entusiasmo.
Como já disse, recebíamos também aula de canto. O “Orphéon” era um salão grande, o maior da Escola, preparado para as festas e representações escolares. Nesse grande auditório estavam montadas cadeiras nos três lados em fileiras sobrepostas. O quarto lado desse salão era aberto; portas largas davam para os dois corredores. Aprendíamos nessas aulas a solfejar, a separar notas nas escalas, a ler música. Depois ensaiávamos o canto dos hinos com manisfesta alegria.
Havia uma música que eu amava muito, e da qual guardo na memória pequena estrofe:
"O céu mais lindo,
mais cor de anil,
é o céu infindo
do meu Brasil.”
Eu amava com fervor os hinos patrióticos. Nosso professor de Música, Maestro Cardim, transmitiu-nos esse amor, esse entusiasmo. Tenho a certeza do que afirmo. O bom professor desperta em seus alunos a vontade de saber, aumenta sua curiosidade sadia em torno da vida.
Havia na Escola uma tradição de dignidade desde sua parte material – o prédio escolar com tudo o que era necessário ao bem-estar dos alunos, professores e adjuntos. O trato humano com os alunos, o respeito entre a criança e o adulto, criaram em mim a visão do mestre, seu alto valor. Também nos eram cobrados, como alunos da Caetano de Campos, comportamento, honestidade, estudo; enfim, havia uma troca: recebíamos e divíamos dar.
Assim, dia a dia, ou melhor, hora a hora (aquelas que passávamos em contato com os professores) íamos aprendendo que dependia muito de nós a construção de um mundo melhor. Ansiávamos por testemunhar com nossos atos a satisfação, a felicidade de estarmos lá na Escola Caetano de Campos, de sermos seus alunos, aprendendo não somente ciências, mas também a valorizar e participar da vida. O orgulho de nossa Escola, de nossos mestres, desenvolveu em nós a convicção de que éramos privilegiados. Alunos da Caetano de Campos.
Odette, década de 1990
Fonte:
Reis, Maria Cândida Delgado- “Caetano de Campos”- Fragmentos da História da Instrução Pública em São Paulo- 1994 –Gráfica Editora Hamburg
Fotos: CRE Mário Covas